“O sedentarismo é o mal do século”: Marcelo Fernandes ressalta a importância de se investir em atividade física nas empresas

Entrevista: Camile Belmonte

Produção: Taísa Medeiros

Antes do Covid-19, o sedentarismo dos brasileiros já preocupava a Organização Mundial da Saúde (OMS) pelos altos índices. Com a pandemia e suas consequências, como o isolamento e o home office, a situação ficou ainda mais alarmante. Segundo estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, mais de 40% da população de adultos no Brasil eram considerados sedentários. Mais recentemente, um estudo realizado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), divulgou que mais de 60% dos brasileiros estão sedentários durante a pandemia.

Precisamos voltar a atenção ao nosso corpo e nos hábitos que temos. A falta de atividade física pode afetar, também, a nossa mente e produtividade. Marcelo Fernandes, diretor da Conceito – Promoção em Atividade Física, acredita que o sedentarismo é o precursor da maioria das doenças que existem: “O que eu vejo é que o sedentarismo é o mal do século. Não é o covid, não são as doenças mentais, é o sedentarismo.”

Em entrevista a Place Consultoria e RH, Marcelo explicou quais os riscos da carência de exercícios e a importância de que empresas incentivem seus colaboradores a seguir hábitos mais saudáveis.

Os números de sedentarismo já eram altos no Brasil, agora estão ainda maiores, inclusive maiores que os dos Estados Unidos. Quais os riscos para a saúde que o estilo de vida sedentário pode trazer às empresas, a longo prazo?

O sedentarismo, assim como os transtornos mentais, aumentaram com a pandemia. Com o home office, as pessoas estão sim, cada vez mais sedentárias. Mas era algo que já vinha acontecendo. Estamos conseguindo passar por essa pandemia com certo “conforto” ou até com uma certa ”facilidade” por ter o home office. Até certo ponto, isso se dá pelo avanço da tecnologia. Ao mesmo tempo que a tecnologia avança, as pessoas estão cada vez mais sedentárias. A pandemia veio valorizar a importância de praticar atividade física.
Em contramão a isso tudo as pessoas parecem estar involuindo. O que eu vejo é que o sedentarismo é o mal do século. Não é o covid, não são as doenças psicológicas, é o sedentarismo. Porque ele é o precursor da maioria das doenças, sejam elas adquiridas por estilo de vida, sejam elas as doenças que são genéticas, de histórico familiar.
Teve um estudo em que foi feita uma comparação entre câncer e obesidade. Se a gente, nesse momento, descobrisse a cura do câncer, qual seria o aumento da expectativa de vida das pessoas? Seria de 2 anos a nível mundial. E se a gente acabasse com obesidade? A expectativa de vida aumentaria em 7 anos. Então, hoje pode-se dizer que a obesidade mata mais do que o câncer. Stress, burnout, depressão, ansiedade, também tem o princípio no sedentarismo.
Quanto mais sedentário eu sou, maior a possibilidade de ser mais estressado, por consequência mais ansioso, mais depressivo, mais doente do ponto de vista mental e físico também. As doenças têm o princípio no sedentarismo. Por isso que eu digo que o sedentarismo é o mal do século.

É importante pensar nos caminhos que as organizações podem tomar para atenuar este cenário. A Organização Mundial da Saúde, inclusive, fez um alerta para o Brasil sobre os números do sedentarismo. Um estudo, realizado pela Cleveland Clinic nos Estados Unidos, publicou que a falta de atividade física poderia afetar a expectativa de vida ainda mais que o cigarro, por exemplo. Como as organizações podem atuar para incentivar hábitos mais saudáveis de seus funcionários?

Quando a gente fala do ambiente corporativo, cada vez mais os gestores vêem que é difícil dissociar a pessoa do profissional. Alguns anos atrás tinha aquela história, se tu está com problema e chegou na empresa, eles ficam para fora da porta de entrada: isso não existe. Não conseguimos fazer essa divisão.
A empresa precisa ter uma noção muito clara de que ela faz parte daquilo que eu chamo de construção do bem-estar do seu colaborador. No momento que elas tiverem claro isso, que elas precisam transformar o ambiente de trabalho em um promotor de saúde, o seu colaborador vai ter um estilo de vida muito mais saudável. Então, eu como empresa, sei que eu preciso participar desse processo de bem-estar e transformar minha empresa em um ambiente que favoreça isso.
Hoje, existe uma nomenclatura que é feliciência, a ciência que estuda a felicidade. Cada vez mais esses programas de bem-estar estão trazendo para empresa esse conceito de felicidade. Quanto mais feliz é o colaborador, quanto mais saudável, quanto mais ativo, obviamente que ele vai produzir mais. Lá no final vai dar um retorno maior para a empresa. De que forma a empresa pode contribuir para que o colaborador entenda qual é o seu papel, não só na empresa, mas na sua vida? Porque é quase que impossível dissociar uma coisa da outra. No momento que a empresa sabe disso, ela precisa oferecer algumas ações para tornar os colaboradores mais ativos.

Com o isolamento, além do sedentarismo, problemas como obesidade também aparecem. Como as assessorias esportivas podem se preparar para lidar também com a reeducação alimentar? Como orientar as pessoas nesse quesito?

Enquanto profissional de educação física, o meu foco é em exercícios, assim como a nutricionista é na alimentação. O alimento é formado por macronutrientes, que são proteínas, gorduras e carboidratos, e micronutrientes, que são vitaminas e minerais. Quando eu me alimento, este alimento sofre algumas reações químicas no meu corpo e parte dele é transformado em energia para eu fazer atividade física, e muitas vezes atividade cerebral. Aquilo que eu não utilizo como alimento é estocado, armazenado como fonte de energia para quando eu precisar.
A questão do emagrecimento, sem sombra de dúvida, tem que ter ajuda da nutricionista. Se tiver duas pessoas: uma delas vai só fazer dieta e a outra vai só fazer exercício, qual que vai emagrecer mais no primeiro momento? É a que vai fazer uma reeducação alimentar. Porque ela vai simplesmente cortar a ingestão de calorias. Só que o corpo se adapta, então o exercício entra para modificar esse processo metabólico.
Num primeiro momento, a alimentação é mais importante, depois quem vai manter esse processo de emagrecimento é o exercício. Por isso que a gente fala que é necessário que ambos estejam juntos: alimentação e o exercício. Como a gente pode fazer isso nas empresas? É com grupos de reeducação, em que junto com o profissional de nutrição, o profissional de atividade física vai conscientizar e falar sobre sobre vários temas relacionados à saúde.

Quando a gente pensa a respeito da relação com o estresse: a empresa é uma geradora de estresse, e ela precisa assumir a responsabilidade para si, de dar uma contrapartida, de fornecer algum bem-estar para o funcionário. As empresas precisam ter esse olhar um pouco mais humano. Você acha que existe um movimento hoje em dia no mercado a respeito disso?

Eu vejo que é o melhor momento para o profissional de educação física porque nós estamos sendo vistos como profissionais da saúde. Na vacinação, fomos considerados profissionais essenciais. A educação física foi regulamentada em 1996, então é uma profissão nova, se considerar outras profissões. Assim que começou a regulamentação, tudo que era relacionado à educação física era voltado para o ponto de vista de estética: “Quero emagrecer, eu quero ficar mais forte, eu quero ter uma performance”. Na medida que os anos foram passando, a educação física começou a ser mais voltada para a saúde.
Eu ainda vejo um desafio muito grande, as pessoas ainda parece que dizem: “Ah, a falta de exercícios tem muita influência nas doenças físicas, mas ela não tem tanta influência das doenças mentais”, ou seja, elas estão separando isso. Não! Quando eu pratico exercícios, eu melhoro tanto o risco de doença cardiovascular, quanto a depressão e o estresse, por exemplo.
Muitas empresas querem colocar uma ginástica laboral, por exemplo, com o objetivo de que, lá na frente, se houvesse uma reclamatória trabalhista, a empresa teria o argumento de que “estaria fazendo a sua parte”. Acredito que isso está mudando, mas antes as ações eram feitas no sentido da empresa se precaver.
A empresa precisa enxergar o ser humano como um todo, ela precisa participar da vida e do bem-estar dessa pessoa. E aí entra a questão do estresse também, porque o estresse é inevitável, mas a gente pode gerenciar. As empresas estão começando a se dar conta de que precisam fazer isso não só para se precaver lá no final, quando a pessoa sai da empresa, mas para que quando esse colaborador esteja atuando, ao longo do período, a organização consiga propiciar um ambiente favorável para ele.

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