“O caminho mais inteligente é desenvolver líderes educadores”: uma conversa com Lúcia Sebben sobre saúde mental dos colaboradores pós-pandemia

Entrevista: Taísa Medeiros

Produção: Camile Belmonte

O papel de um líder se reconfigurou nas últimas décadas: deixa-se para trás a imagem hierárquica de um líder com gestão verticalizada, e fala-se muito mais em líderes com capacidade de diálogo, escuta ativa e empatia. A pandemia acelerou este processo, como revela a pesquisa do PageGroup, realizada em parceria com o Centro de Liderança da Fundação Dom Cabral. Dentre os gestores entrevistados, 29% informaram dar mais atenção às habilidades estratégicas, e outros 22% declararam estar mais focados na gestão de pessoas e competências interpessoais (ou soft skills). 

Tais competências interpessoais é que também passam a ser ainda mais valorizadas no próprio líder, como explica a psicóloga organizacional e especialista em Avaliação Psicossocial, Lúcia Sebben, da Sebben RH e Sebben Consultoria. “Eu entendo que o líder é um educador, um professor. O líder tem que ser uma inspiração, muito mais do que um exemplo, precisa gerar encantamento”.

Em conversa com a Place, Lúcia destacou a importância dos gestores neste período de readaptação ao trabalho presencial, para que forneçam a seus colaboradores o ambiente mais acolhedor possível.

Muitas empresas já voltaram ou estão planejando sua volta ao trabalho presencial. Apesar de ser um retorno muito esperado, é uma grande mudança. Como esta transição pode ser feita de maneira tranquila, do ponto de vista da readaptação deste colaborador?

Vai depender muito da cultura de cada organização. Algumas vão ignorar e retornar como se nada tivesse acontecido. Outras vão se preocupar em criar um ambiente emocionalmente saudável. Não é uma volta tranquila e normal, porque por mais que as pessoas quisessem esse retorno a vida de antes, ela não retorna mais. O que existe daqui para frente é uma nova vida, que a gente vai elaborar, construir, fazer escolhas para que ela se redesenhe. Algumas empresas voltaram totalmente no presencial. E tem outras empresas que estão se organizando de forma híbrida. É variável a maneira de organizar isso.

Mas, o que eu acho que seria mais inteligente por parte de uma organização fazer neste momento é realinhar o papel dos líderes e dos gestores, aqueles que recebem as suas equipes. De que maneira eles estão recebendo essas pessoas? Eu, pessoalmente acredito no líder educador. Eu penso que o líder é uma pessoa de influência, uma pessoa que é seguida por outras pessoas.Seria muito importante que os líderes se vestissem de uma pessoa mais compassiva, mais afetuosa, mais engajada com a saúde mental das suas equipes. Saúde mental não é um assunto do trabalhador com o médico dele, é um assunto da empresa também. Ela é promotora de transtornos, ela é geradora de estresse e portanto é responsável pela cura também. E o caminho mais fácil, mais inteligente, mais eficaz para essa cura é através da postura dos gestores.

Esse seria um caminho inteligente: desenvolver líderes educadores. A gente vê muitos líderes tóxicos. Aquele líder controlador, que não confia, que não consegue ter empatia e ser afetuoso, que adoece suas equipes. É fundamental uma avaliação, um resgate e um redesenho do papel de um líder. Eu entendo que um líder é um educador, ele é um professor. 

O líder tem que ser uma inspiração, muito mais que exemplo. Porque aí não vai ter aquela segunda-feira chata, entendeu? Vai ser feliz porque eu vou me encontrar com meu líder, uma pessoa que me inspira, que me encanta. Encantamento é o que o líder precisa gerar. Isso vai dar condição das organizações se retomarem pós-pandemia, criarem um ambiente saudável e, consequentemente, próspero.

O ser humano tem tendência a gostar de saber o que vem pela frente, e situações incertas podem ser muito estressantes e despertar sentimentos como ansiedade, inquietação. Que tipo de estratégia é possível pensarmos para as organizações amenizarem este sentimento entre os colaboradores? 

O período pandêmico é uma situação sem precedentes. A percepção de realidade fica distorcida, porque temos uma tendência de negar algumas coisas, mudar o foco.

O que a empresa pode fazer é justamente andar na contramão dessa tendência doentia, e ajudar as pessoas a perceberem a realidade como de fato é. Construindo novos hábitos e abandonando outros e contribuindo na gestão do estresse. Como que a empresa, que é geradora de estresse, vai participar nesse momento sendo uma aliada? 

Vem se falando muito de segurança psicológica, que se trata de você ser capaz de correr riscos interpessoais. Ou seja, discordar do que o líder acha, por exemplo. É poder falar e expressar o que pensa sem medo de represália. Quando essa liberdade de ser quem tu realmente é for respeitada pela organização, se começa a construir segurança psicológica. Isso é o que de mais eficiente e eficaz uma empresa pode fazer pela saúde mental do seu trabalhador.

O que vai estar por detrás disso tudo? Vai ter um melhor controle, por exemplo, de sobrecarga de trabalho. Quando as pessoas começarem a dizer “não vou fazer isso porque preciso de um dia de respiro”. Quando elas começarem a fazer esses enfrentamentos e isso for recebido pela organização de forma lúcida, aí a empresa vai estar de fato fazendo o que ela pode nesse cenário de pandemia.

As reações psicossociais esperadas diante da pandemia, como sofrimento e preocupação, impactam na saúde de todos. Dentro de uma corporação, o papel do profissional de saúde mental é crucial. Você diria que esse papel mudou? 

Mudou totalmente. Na pandemia ficou muito evidente que não vai haver a alta performance tão desejada por todos se não houver o básico, que é a saúde mental. O trabalho do psicólogo ganhou outro sentido dentro da organização, que vai muito além de desenvolver comportamento. É necessário resgatar valores fundamentais.

Aquele líder, por exemplo, orientado para alta performance: “Vamos produzir grandes resultados”, ficou pobre e superficial. A gente não vai ter isso se a gente não tiver pessoas capazes de viver sem medo. É o que está por detrás de todos os sofrimentos e de todas as dificuldades que a gente vem enfrentando no dia a dia. Não é só dentro do trabalho, fora dele também. É o medo: de morrer; de perder o emprego; de contaminar alguém da minha família; de não ter mais perspectiva de futuro. Medo de todas as formas.

Uma forma de minimizar esse sofrimento é tratar do medo. Nós, psicólogos, passamos a ter outro foco, exigindo da gente outros conhecimentos. As pessoas começaram a desenvolver fobias e as rodas de conversa ajudam a prevenir transtornos mentais e a tratar os medos. Esses tipos de abordagens não existiam nas organizações. Tem gestores que não sabem lidar com equipes amedrontadas, equipes inseguras, equipes ansiosas.

O Brasil é o país mais ansioso do mundo, já era antes da pandemia. A gente tem um cenário de muitos afastamentos por conta de burnout, síndrome do pânico, transtornos de ansiedade.

O Brasil era o quarto país no mundo em acidente de trabalho antes da pandemia. Hoje ele está em terceiro, daqui a pouco a gente vai estar em primeiro lugar. O Brasil está gastando mais de 100 trilhões, nesses últimos dois anos, só em benefícios do INSS. Valor que poderia ser destinado para a saúde e para educação, está sendo usado para pagar benefícios.

Durante a pandemia, desenvolvemos vários medos e fobias. Muitas pessoas podem ter desenvolvido, inclusive, fobias de se relacionar. Como ficam as relações interpessoais?

A gente passou por mensagens muito antagônicas na pandemia. A gente foi orientado que abraçar e beijar é errado, é ruim e pode fazer mal para alguém. Imagina o que isso significa para o brasileiro, que é um povo extremamente afetuoso? Somos um povo altamente sociável, festeiro. O que isso, ao mesmo tempo, repercute no comportamento das pessoas? Elas buscam outras formas de suprir a necessidade delas de afeto.

Manifestar amor de todas as formas possíveis e imagináveis é uma fonte de cura emocional fantástica e muitas pessoas começaram a criar outros meios de fazer isso.

A maneira de lidar com isso agora é essa. Os medos são o desafio maior, porque antes de tu administrar o medo tu precisa reconhecer a presença dele na tua vida, e se dar conta do quanto ele pode estar te atrapalhando.

O melhor caminho de saúde para todos nós é se conhecer, perceber as necessidades que passou a ter e achar caminhos para supri-las. O famoso autocuidado: a gente precisa praticar o olhar para nós. 

Os relacionamentos dependem fundamentalmente da minha relação comigo mesmo. Eu preciso primeiro saber me relacionar comigo, saber lidar com as coisas que eu sinto e entender. Pensa sobre o que tu sente, conversa contigo mesmo, se questiona e acha a resposta. A partir daí administra, faz escolhas. Administração do estresse também passa dizer alguns “nãos”, estabelecer alguns limites para a gente mesmo e para as outras pessoas. Isso é autogestão e se conhecer. 

Deixe um comentário